
A esposa, o marido e a prima da esposa entraram na cobertura do casal,
localizada na Rua Frei Caneca, coração da capital paulista. Após oito anos de
casamento, o marido fora surpreendido por sua mulher quando ela, numa manhã
cinzenta de terça-feira, confidenciou-lhe entre lençóis que gostaria de
realizar o fetiche.
A prima havia sido escolhida pela esposa para compor o trio por ser “bela,
confiável e disponível”, segundo a própria. E, além de parente, a prima era uma
das grandes amigas da esposa. Os atributos físicos da moça de vinte e tantos anos de
idade não foram nem um pouco minados pelo fato de já ser mãe. Pelo contrário,
a maternidade aparentemente havia realçado suas curvas, enquanto a sua
condição de solteira e vaidosa a mantinha determinada no cuidado com a
aparência.
A esposa ligou uma pequena caixa de som e colocou o seu iPhone para tocar
uma playlist sexualmente convidativa, em baixo volume. Serviu o marido com uma
taça de vinho e ofereceu outro à prima. Conversaram no sofá à vontade e, entre
risadas, relembraram fatos divertidos do passado. Até que, no ímpeto, a esposa se levantou e revelou a atração que sentia por sua prima desde que a jovem
havia se tornado mulher. O marido, transbordando de perplexidade, levou as mãos à face, já em deleite pelo o que estava por vir.
A esposa então sorriu entre lábios mordidos, puxou cada um por uma mão e
conduziu-os até a suíte. Os três ajoelharam sobre a cama. A esposa se posicionou entre eles. Tocou suavemente na nuca do marido com uma mão e na
nuca da prima com a outra. Afastou o seu rosto do caminho e lentamente aproximou o rosto dos dois, promovendo um beijo bastardo. Observava
atentamente os lábios do seu marido tocar os de sua prima. Sua expectativa é a
de que ficassem constrangidos. Mas empalideceu ao notar a sintonia entre
aqueles dois.
O marido não apenas beijava a prima. Ele parecia necessitar de cada pedaço
daquela mulher. Os dois trocavam olhares de cumplicidade misturada com uma
ternura incompatível com uma proposta tão casual. Naquele instante, a esposa
percebeu que a boca de seu marido nunca fora integralmente comprometida com a
sua. Afastou-se então sorrateiramente, mas continuava olhando para os dois, na
esperança de ser percebida. Em vão. Saiu sem avisar.
Entrou no banheiro da suíte, trancou-se, e baixou a cabeça com as mãos
apoiadas na porta. Abalada, deslizou as mãos porta abaixo até que a mão
direita novamente atingisse a chave. Retirou-a, e olhou pelo buraco da
fechadura. Pôde observar o marido e a prima. Entre beijos e mordidas, ele
sorria para a prima de um jeito que ela nunca havia visto. Eles não pareciam
ser apenas um casal proibido. Eram mais do que isso. Eram um dueto, tão bem
composto e bem afinado de forma que a carreira de sucesso daqueles dois juntos
parecia vir de longa data, e que um sem o outro já não deveria fazer o menor
sentido.
Em dado momento, a esposa viu a prima levar o dedo indicador à boca, num gesto
para que o seu marido se calasse. O que era segredo? Sua cabeça começava a
doer. Achou até ali que pudesse estar errada. Que pudesse ser apenas uma
curiosa coincidência que o filho de sua prima fosse extremamente parecido com
o seu marido, tanto fisicamente quanto em seus trejeitos. Achava que, ao
propor ao seu marido o ménage à trois com a prima, ela pudesse constatar ali,
de perto, na intimidade à três, que nunca houve nada entre os dois. Mas era
fato que, a cada ano que passava, mais aquele moleque, contando ali com cinco
anos de idade completos, tornava-se cópia irrefutável daquele que
definitivamente era o seu pai.
A mulher se levantou, virou-se para a pia e se olhou no espelho impecavelmente limpo.
Viu nitidamente a imagem de uma mulher enganada. Levou as mãos até a barriga e
acariciou o seu ventre oco, incapaz de ter gerado uma criança durante aqueles
anos de matrimônio. Devastada, recebeu então o ultimato de sua dor. Atingiu
o espelho com um golpe tão forte que mesmo suas mãos suaves puderam quebrá-lo.
Pegou o maior e mais pontiagudo pedaço de vidro e o apertou, até que o sangue
misturado com toda a frustração de uma esposa dedicada pudesse escorrer de sua
mão.
A essa altura, motivado pelo barulho, o seu marido já gritava por ela do outro
lado, tentando a todo custo abrir a porta. A esposa calmamente destrancou-a e se deparou com o cônjuge estático e assustado. Antes que ele pudesse esboçar
alguma reação, levou certeiramente o estilhaço ensanguentado ao pescoço do
marido, perfurando e rasgando sua jugular, e mantendo o vidro em sua
mão.
A prima gritou abraçada às pernas no canto da cama. Completamente fora de si,
a esposa correu até ela, enquanto o seu marido sangrava no chão
até a morte. Pegou a prima pelos cabelos e, parecendo estar dotada de uma força quase sobrenatural, deitou-a de
costas sobre os lençóis ainda quentes das preliminares. Por fim, acertou-lhe a
barriga diversas vezes com o vidro, certificando-se de que nada sobraria
daquele ventre fértil e maldito.
O interfone tocou. Com os gritos, era provável que os vizinhos tivessem
acionado a portaria. Assim, a esposa largou o estilhaço, foi até a sacada do
quarto, e olhou desconsolada para o horizonte. Entortou a cabeça para o lado,
mantendo o olhar fixo, como se estivesse em profundo estado de contemplação. A
brisa da noite soprava em seu rosto e levava consigo as últimas lágrimas. Era
o fim. Respirou profundamente, relaxou os ombros e se deixou cair,
lançando-se enfim ao voo da morte.
Na calçada da Frei Caneca, enquanto a polícia ainda não chegava, uma travesti
corpulenta enxotava um jovem que havia subido na grade do condomínio para
tirar uma selfie com o corpo estirado do outro lado. Depois, em vão, ela
tentava impedir que outros curiosos se aglomerassem na grade com seus
smartphones. O sangue fervido de surto que jorrava da cabeça da esposa descia
contornando o seu corpo, e misturava-se ao sangue inocente do aborto. No IML ficou constatado que ela finalmente estava grávida de três semanas.
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