Numa manhã de dia útil no escritório, já no final de novembro, uma moça que
trabalha no mesmo prédio que eu comentou que ainda não havia enfeites de Natal
por ali. Questionava a ausência das cores e luzes de fim de ano para alegrar
os tons frios das mesas, cadeiras e gaveteiros. O alerta não passou
despercebido. Imediatamente, parei de olhar para a tela do computador e me
peguei por alguns segundos com o cotovelo apoiado na mesa, a mão segurando o
queixo e o olhar distante. Depois olhei ao redor. De fato, ainda não havia por
ali árvore de Natal, guirlanda, ou boneco de Papai Noel.
No dia seguinte, cheguei ao trabalho com alguns enfeites para adornar a
palmeirinha que possuo em minha mesa. "Gostei do seu mato de Natal", comentou
um dos colegas, em tom de deboche. De fato, a palmeirinha mais parece mato que
cresce do nada em qualquer terra de beira de estrada. Mas era o único ser vivo
por ali que poderia servir de árvore de Natal. Eu até poderia pendurar uma
guirlanda em meu pescoço, mas creio que isso me traria sérios problemas
administrativos.
O fato é que aquela mulher, com o seu comentário espontâneo e quase
despretensioso, despertou em mim a vontade de querer tornar o meu espaço de
trabalho digno do Natal. É curioso como eu sou incapaz de absorver, por
exemplo, uma palestra de cunho motivacional—cujo objetivo seria plantar
sementes em minha alma de forma que me fossem provocadas mudanças internas—mas ao mesmo tempo me vejo totalmente vulnerável ao comentário fortuito de uma
moça que passou rapidamente pelo o meu corredor enquanto eu trabalhava. Sempre
achei interessante essa nossa capacidade de podermos influenciar alguém sem
querer, e, mais ainda, sem nunca ficarmos sabendo disso.
Minha boa vontade com os enfeites natalinos não ficou limitada ao ambiente de
trabalho. Mudei-me recentemente para um apartamento próximo ao trabalho e,
curiosamente, no mesmo dia em que montei o meu "mato de Natal" no escritório,
a administração do meu novo condomínio também colocou luzes e enfeites em
praticamente todas as áreas comuns. Capricharam tanto que, foi ali, pela
primeira vez nesse fim de ano, que eu senti de verdade que já estávamos em
época de Natal. Assim, não fazia sentido para mim que a minha casa não fosse
também enfeitada.
No fim de semana seguinte, comprei um boneco de Papai Noel, bolas de Natal,
pisca-pisca, e outros adornos. Fiz outra planta minha de árvore, sentei o Papai Noel
no canto da mesa, coloquei um sino cintilante na porta de casa e fixei o
pisca-pisca na única parede que eu ainda não havia decorado desde a mudança.
Liguei o pisca-pisca na tomada e sentei no sofá para vê-lo funcionando. Talvez
tenha sido o pisca-pisca mais antissocial que já vi: dentro de casa, a casa de
um rapaz que mora só, piscando suas luzes vermelhas unicamente para mim.
Percebi que aquele pisca-pisca é a materialização da pessoa um tanto
individualista que eu fui me descobrindo ao longo dos anos. Mas não se trata
de uma autocrítica. Diferente do egoísmo, a individualidade é mais um traço de
personalidade do que um defeito. E não são tempos fáceis para aqueles que
preferem depender de alguém.
Entardecia, e o brilho do pisca-pisca já refletia bastante evidente nas bolas
penduradas na minha planta-árvore de Natal. O Papai Noel sentadinho meio
cabisbaixo parecia estar ciente de que ficaria naquela posição até janeiro.
Dali, eu também podia ver os dois laços vermelhos que coloquei em dois pontos
estratégicos da sala. Aquele momento de contemplação dos enfeites de Natal me
fez tão bem que eu, piegas que sou, coloquei "Silent Night" no Spotify na voz
do Frank Sinatra. E, mesmo estando só, foi aquele o momento de maior
felicidade e paz que experimentei no novo apartamento desde a mudança, há
poucos meses, até agora.
Antoine de Saint-Exupéry já dizia em seu "O Pequeno Príncipe" que é preciso
ritos para que se possa preparar o coração. "Se tu vens, por exemplo, às
quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz". Se o Natal e a
virada do ano acontecem em todo o final de dezembro, desde o início do mês eu
começo a me preparar (na maioria das vezes de forma automática), refletindo
sobre atitudes e planejando mudanças. E me torno mais suscetível ao sopro do
espírito natalino e do novo ano que aproxima se decoro a minha casa com luzes,
laços e Papai Noel. A raposa está coberta de razão quando diz ao principezinho
que ritos são importantes.
Decoro a minha casa, observo as ruas e shoppings enfeitados, a diaba da Simone
começa a cantar e a me fazer cobranças, listo resoluções complicadas para o
próximo ano, viajo para ver a família, me empanturro de rabanadas e pernil, tiro fotos dos fogos do rompimento de mais um ano e visto branco. Até que os fogos acabam. Até que as
festas acabam. Acabam também as rabanadas, as nozes e as sobras da ceia. Minha
mãe enche os olhos de lágrimas e beija meu rosto de fora do carro em que me
encontro, pronto para partir.
Retorno para casa em janeiro e me dou conta de que é preciso desmontar a
árvore de Natal. É preciso descolar o pisca-pisca da parede. É preciso guardar
o Papai Noel e o sino cintilante. Há quem goste tanto dos enfeites de Natal
que questiona se não poderíamos deixar as casas e ruas decoradas como se fosse
um eterno fim de ano. Mas a continuidade tira a graça de tudo. A decoração de
Natal nos salta aos olhos em dezembro justamente porque ela é temporária. A
beleza do pisca-pisca está justamente nas suas luzes intermitentes. E nós,
enquanto seres de idoneidade duvidosa perante o mundo, ainda conservamos
alguma graça justamente porque montamos e desmontamos as coisas, nos vestimos
e nos despimos, maquiamos e desmaquiamos. Hoje vermelho, amanhã verde ou azul.
Ou nu.
A inércia não significa nada, não anuncia nada. A inércia está apenas pela
inércia. Tenho consciência de que a casa fica muito mais bonita quando
enfeitada para o Natal, mas eu não posso manter a decoração natalina ao longo
de todo o mês de janeiro. Não se fazem rabanadas em julho e não se dançam quadrilhas de São
João em outubro. E as mães não sorriem o ano todo. É preciso que elas chorem
ao verem seus filhos que moram longe partirem para encarar mais um ano. Mais
um ano em que é preciso desmontar tudo para que se possa montar novamente. E
ainda que, por puro comodismo, a próxima decoração fique igual à do ano
anterior, pode ser que, um dia, já livre do medo do desconhecido, monte-se
tudo diferente.
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