
Quando minha mãe vem me visitar, a primeira coisa que ela faz é reclamar; a
segunda é me dar amor. Anda pelos cômodos, abre gavetas, geladeira, diz que
falta isso e aquilo e que eu deveria fazer tal e tal coisa. Depois ela faz
café e me oferece docinho na medida dentro de uma xícara que eu nem lembrava que
tinha, retirada do fundo inexplorado do meu armário de solteiro. Estava com
saudade!, diz.
E então logo eu começo a ouvir barulhos e a sentir cheiros sem que eu precise
fazer nada. A gente que mora sozinho fica sensível a qualquer estímulo em casa que
não tenha sido provocado por nós. Levo susto na sala com o chiado repentino
vindo da cozinha: cebola e alho postos para refogar. Não tem jeito, costumo
ter pouco sucesso em chamá-la para comer fora. No fim da tarde, é o esmalte e
a acetona que se espalham no ar enquanto ela faz as unhas em frente às novelas
mexicanas. Sei de longe que é novela mexicana por causa da trilha sonora e o
estilo de dublagem. Fica aqui vendo comigo!, escuto.
A máquina de lavar começa a bater. Chego na área de serviço e digo que não
precisa lavar nada. Mas aí mesmo é que minha mãe começa a falar, como se
estivesse apenas esperando uma oportunidade: você deixa acumular muita roupa!,
você usa amarrotada assim?, a moça que vem aqui não passa não? Sei que no
fundo ela nutre ciúmes da diarista, mesmo que não admita. Você precisa se
organizar mais com a casa!, conclui, sem nunca entender que eu passo a maior
parte do dia fora, trabalhando, e que ao voltar eu tenho o direito de
priorizar lazer e vida pessoal, postergando afazeres domésticos.
Assim, a casa funciona regida por uma maestra que sabe que não precisa pedir
licença para nada—e não pede mesmo. Os raios de sol entram através de janelas
por mim esquecidas e por ela escancaradas, revelando certo brilho ao redor que
eu, encerrado em minha rotina desatenta, havia deixado de notar. Músicas
tocam, batatas cozidas fumegam na panela, o micro-ondas apita o fim da
contagem regressiva. Fim este que faz com que o meu coração se encolha um
pouco. Pois logo a minha mãe vai embora, deixando em minha boca o gostinho do
aconchego e levando consigo a alma de tudo aqui.
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