A Terra é plana. Sim, eu descobri que é. É plana porque eu tropecei na esquina
do mundo e caí para fora dele. Antes disso, eu corria de braços abertos a
favor do vento, gargalhava os privilégios de todas as aventuras que podia,
cantava de olhos fechados ao som dos violões mais afinados... até que de
repente eu caí.
Caí do nada, e no nada. E cá estou, flutuando logo abaixo da
grande crosta. Daqui, posso ver as raízes de todas as florestas, as relíquias
enterradas de todas as culturas, as veias de todos os rios saltadas para mim.
Consigo ver fósseis de seres que já não existem, tumbas de deuses e reis que
um dia mandaram e desmandaram lá em cima, além de todo o lixo que pinga
chorume em meu rosto e escorre boca adentro. Não consigo respirar, engasgo, sinto um nojo colossal do líquido fedido que sai das coisas que antes me
faziam sorrir.
Olho para os lados e vejo vários pontinhos longe de mim e afastados uns dos outros; é gente que
também caiu do mundo e que agora boia sozinha no vácuo, todos provavelmente mortos,
assim como eu estarei logo logo. Mas tudo bem. Talvez seja melhor mesmo estar por
aqui e esperar pelo fim nesse vazio, à deriva na inércia, do que lá em
cima, sobre o chão onde pestes se alastram e varrem os sonhos. Resta-me apenas
a saudade dos anos bobos, inocentes, do meu mundo redondinho, da minha bolha
perfeita, onde o bem era o bem e o mal era o mal, o que tornava óbvia a
escolha de qual dos dois únicos caminhos eu deveria seguir.
Porque não, a Terra não é redonda, as escolhas não são óbvias, os caminhos
são muitos e terminam em lugares bem diferentes, distantes, complexos e
confusos. A verdade é que os professores me enganaram e os doidos, quem diria,
sempre tiveram razão. A Terra é plana sim. Se eu sigo em frente sem parar, eu
não dou uma volta completa no mundo coisa nenhuma, eu não chego ao mesmo ponto
de onde parti; isso é bobagem. O que acontece é que eu caminho crente na
certeza das tolices que aprendi até a fatídica queda. Porque inevitavelmente
eu vou cair, como aconteceu.
Caí no mundo, caí no furo da bolha, caí em mim mesmo. Mas, talvez, não haja
coisa mais importante na vida do que isso.
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